Entrevista com Hédimo Jales Dantas publicada na edição de 12 de Maio no Jornal O Mossoroense

segunda-feira, 13 de maio de 2013 Pôla Pinto

Hedimo Jales Dantas - CacauHedimo Jales Dantas - CacauSão 34 anos de profissão. 17 horas diárias dedicadas à docência, e um número incalculável de alunos que já tiveram a oportunidade de prestigiar a desenvoltura e o talento do professor Hédimo Jales em uma sala de aula.
Também conhecido como “Capitão Caverna”, alcunha que lhe foi atribuída por um dos seus discentes em outubro de1988, quando ministrava sua primeira aula em Natal.
O professor de redação, português e literatura, que é formado em Agronomia, revela quais motivos lhe trouxeram de volta a Mossoró. Relembra detalhes de sua trajetória profissional, e faz uma avaliação do atual cenário educacional no Estado. Acompanhe.
O Mossoroense: O senhor durante muitos anos lecionou aqui na cidade, depois transferiu-se para Natal e no início deste ano retornou para Mossoró. Como se deu esse retorno?
Hédimo Jales:
Existe entre mim e o Colégio Dom Bosco uma história de amor. Foi aqui que comecei a minha carreira profissional, como professor, em 1979. Em 1988 me transferi para Natal, de lá passei a trabalhar não só na capital potiguar, como em João Pessoa, Maceió, Aracaju. Duas razões me fizeram retornar a Mossoró: primeiro, essa história de amor com esse colégio, e segundo, o Dom Bosco teve agora um acentuado crescimento, porque recebeu um excelente número de alunos oriundos de uma outra escola que fechou, e com base nisso o proprietário, Filgueira, me chamou, não como forma de valorizar a equipe, todos os profissionais aqui são ótimos, apenas como forma de reconhecimento. Eu já vislumbro a possibilidade da aposentadoria, então eu quero, se Deus me permitir, fechar a minha carreira profissional, com a velha ‘chave de ouro’. Foi aqui que comecei, é aqui que quero terminar.
OM: E a decisão de ingressar no ramo da educação enquanto profissional, quando e como foi tomada?
HJ:
Eu guardei por muito tempo na vida um sonho, que era ser professor de português e literatura, por conta de um fantástico professor que eu tive no pré, o falecido José Vieira da Costa, o professor Vieira. Aquele rapaz, com seu jeito simples de ser, com sua metodologia, baseada na amizade, me conquistou e despertou em mim esse interesse. Mas aí veio o vestibular e fiz para Agronomia. Durante o período que estava cursando a graduação, convidei um colega, hoje advogado, Vicente Pereira Neto, o Vicente Neto, e surgiu a ideia de montar um cursinho, e assim surgiu o ‘União Dinâmica’, onde eu lecionava quatro disciplinas e Vicente quatro. Como fizemos essa divisão das disciplinas? Nós pegamos oito papéis, jogamos para cima, e eu peguei português, matemática, física e química, e ele história, geografia, inglês e biologia. Estudamos muito, e chegamos ao ponto de formarmos seis turmas.
OM: E como conciliava a graduação com o cursinho?
HJ:
Eu praticamente não dormia, porque o dia inteiro era dando aula ou na Esam, hoje Ufersa, e à noite inteira era estudando. Eu e Vicente, nós dormíamos 48 horas entre o sábado e o domingo, agora a semana era estudando e trabalhando.

OM: E hoje o senhor colhe os frutos de tamanha dedicação...
HJ:
Esse é o prêmio. É isso que você conquista quando você se dedica, esforça, se entrega ao que ama, ao que faz. Lamentavelmente, hoje eu percebo a grande fragilidade do estudante em cima disso. Ele não se dedica, não aproveita os recursos que dispõe, porque prefere gastar o tempo com coisas supérfluas. Ele não se prepara, como eu e Vicente fizemos durante nossa adolescência. Nós nos preparamos para colher o fruto na vida adulta. O adolescente de hoje já quer o fruto.
OM: E além da graduação em Agronomia, o senhor tem algum outro tipo de formação?
HJ:
Eu sou tecnólogo em mecanização agrícola, e engenheiro agrônomo. Nunca na minha vida assisti a uma aula de faculdade para português, literatura e redação. Sou autodidata.
OM: Sofreu ou continua sofrendo preconceito por conta disso?
HJ:
Sofro e muito. Porque é muito comum o colega professor ser formado em Letras, mas não agradar. Eu fico até meio sem jeito pra falar, mas a realidade é essa. Outro dia um grande amigo me disse: ‘Hédimo, o que você tem seus colegas não têm, mas o que eles têm você pode ter’. Ele se referia ao talento. O conhecimento dos demais eu posso ter, é uma questão de dedicação e estudo. O talento é um dom, foi Deus que me deu, e eu vou por aqui driblando as circunstâncias e alimentando os filhos.
OM: O senhor citou a fragilidade do estudante hoje. Além dessa falta de dedicação, que outras diferenças podem ser constatadas em relação à qualidade da educação hoje e de décadas atrás?
HJ:
Eu percebo uma distância muito grande entre as famílias e a escola. Houve uma subversão de valores. A família entregou para a escola o dever de educar. Por quê? Porque eu pago, ou porque a escola é uma oferta do governo, ela tem a obrigação de educar, quando na verdade, esse educar está fora do contexto para as famílias de hoje. A escola tem a obrigação de informar, e com base nessa informação mudar o pensamento do estudante. A meu ver, o dever da escola é transformar, mas acontece que os pais não veem assim. A condição de educador me leva a agir com meus filhos como educador. Eu sou profissional, trabalho todos os dias, com 17 horas/aula, e o jovem é estudante, a profissão dele é estudar.
OM: Retornando a Mossoró, que realidade educacional o senhor encontrou? Em relação ao ensino oferecido na capital, há alguma grande diferença?
HJ:
Aluno é aluno em todo lugar do mundo. Assim como em determinada sala existe aquele aluno brilhante, dedicado, esforçado, nessa mesma sala existe aquele relapso. A grande diferença é que na capital se faz uma espécie de imposição, investe-se um pouco mais na disciplina, por uma questão de sobrevivência da escola. Aqui em Mossoró, eu vejo diretores, todos os dias, em horários de funcionamento da escola, presentes na instituição, enxergando com os olhos do dono, e desse modo a disciplina é posta, intimida. Aluno gosta de professor carrasco. O professor bonzinho, que conta piada e que anima, ao final do ano não teve tempo de concluir o programa de ensino, e o carrasco passa o ano inteiro sendo odiado, mas no final o aluno diz: ‘a prova está a cara dele’.
OM: E como o senhor se classificaria?
HJ:
Brincalhão e ao mesmo disciplinador. Sou muito brincalhão, porque eu me divirto dando aula. É a maior diversão da minha vida, eu adoro rir e fazer rir. Agora isso eu faço com disciplina. Que o prezado leitor me entenda, mas nesse circo o palhaço sou eu. Eu é que faço a graça, que comando, é hora de rir vamos, é hora de fazer a coisa séria, vamos fazer sério. E funciona, o aluno gosta desse tipo de coisa.
OM: Quanto às novas tecnologias, qual a opinião do senhor em relação a elas? Hoje o estudante está conectado o tempo todo, seja no seu smartphone, tablet. Essas tecnologias vieram para auxiliar no processo ensino/aprendizagem, ou mais atrapalham do que ajudam?
HJ:
A ideia é auxiliar, mas na realidade está atrapalhando, por uma falta de conscientização do estudante. O ato de aluno escrever na internet também é um problema. O ‘porque’ se escreve ‘pq’, e o estudante deixa de observar que esse ‘porque’ pode ser separado com acento, sem acento, junto com acento, sem acento. Ao chegar a uma redação, o aluno é obrigado a escrever de forma técnica, obrigado a usar a linguagem formal, e aí ele morre. Eu sou plenamente a favor que o aluno traga para a sala de aula todos os recursos que a tecnologia lhe dê, agora desde que ele seja consciente, porque o que ocorre é que ele acaba fazendo algo totalmente diferente, acessando redes sociais. Hoje um dos grandes desastres é o uso do celular, que o aluno quer utilizar em sala de aula não como instrumento de informação, mas sim diversão.
OM: O senhor também é considerado um dos maiores especialistas quando se trata de preparação para concursos e vestibulares. As mudanças promovidas pelo Ministério da Educação, substituindo o vestibular pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram bem aceitas por profissionais que trabalham na área?HJ: A substituição do vestibular pela Enem, a meu ver, é um prejuízo absurdo para nós. Eu sou contra a existência do Enem por vários motivos. Primeiro, veja os absurdos denunciados em rede nacional. Uma redação, que aqui qualquer criatura a ela atribuiria nota zero, no Enem tem 700 pontos, ou seja, ela não foi corrigida. Quais os critérios para a correção? Para a aprovação desse aluno? O que faz o aluno mossoroense ser chamado para o Acre? Qual a condição que ele teria em frequentar o curso distante daqui? Outro motivo para eu ser contra é que a literatura regional, a história local deve ser sempre valorizada, o que acontece ainda na Uern, o que supervaloriza o nosso vestibular. O diferencial de uma prova de literatura são questões sobre a obra do nosso magnífico Antônio Francisco, sobre a obra do próprio Cid Augusto, que pra mim é o maior cronista que eu vejo na atualidade, não só no Rio Grande do Norte. Um poema preparado por Cid Augusto não deixa de fazer sucesso em lugar nenhum do mundo. E isso é algo que nós temos o prazer de conhecer, e a obrigação absoluta de valorizar.
OM: E o que seria o ideal nesse caso?
HJ:
Eu acho que o que funcionaria realmente seria o aproveitamento do aluno ao longo de sua vida estudantil, e como prêmio ele conquistaria a vaga na Universidade. Como isso, infelizmente, não existe, o melhor método ainda é o vestibular, e cada universidade cria as suas particularidades.
OM: E quanto às cotas, o senhor é contra ou a favor?
HJ:
Isso é uma maneira do governo dizer a vergonha que sente pelo tipo de educação que dá. Sou absolutamente contra, porque na hora em que se aceita a cota você está sendo discriminado. Cabe ao governo dar um ensino público de qualidade. As maiores autoridades passaram pelo ensino público, graças a muito esforço, dedicação, mas hoje esse ensino chegou a uma decadência tal, que eles próprios, os gestores, reconhecem a ponto de oferecerem cotas. Porque ninguém dá cota para quem tem qualidade, para quem estuda? Você que estudou, você tem uma cota, quanto mais qualidade, mais vaga para esse tipo de aluno, era isso que deveria acontecer.
OM: O senhor já destacou a posição do aluno em diferentes ângulos, e quanto à condição de professor na atualidade, qual a sua avaliação?
HJ:
A profissão hoje está desvalorizada. Você observa, por exemplo, professor da rede pública em greve constantemente por salário. Só se faz greve por salário. Na rede privada se reclama muito de salário, porque determinadas empresas, como têm muitas responsabilidades fiscais, não podem pagar aquilo que o professor verdadeiramente merece. A profissão não estimula muito. Você hoje não vê pessoas se formando em Letras, se dedicando. Hoje não se forma mais o professor, porque as pessoas já colocaram na mente a desvalorização da profissão. A remuneração não cobre às necessidades do profissional, e isso a sociedade tem que olhar com bastante atenção, pois como dizia Monteiro Lobato, ‘Uma sociedade se faz com homens e livros’, e a educação sem professor não existirá.
OM: Pra finalizar, o senhor também desenvolveu atividades profissionais no jornal O Mossoroense, como ombudsman (profissional que, de maneira independente, critica o material publicado e responde às queixas dos leitores). Conte um pouco desse período.HJ: Cid Augusto me convenceu a fazer isso. Foi um trabalho lindíssimo, maravilhoso, e eu acho que vou voltar logo, logo a essa função, até porque me dá muito prazer, não pelo fato de criticar, e sim perceber nas edições seguintes o jornal acertando. Eu acho que breve estaremos de volta.
Por Maricelio Almeida
maricelio_almeida@hotmail.com


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