Mais de dois anos de coleta e organização de pesquisas científicas,
textos e estudos de caso em cinco perímetros irrigados nos Estados do
Ceará e Rio Grande do Norte geraram o “Dossiê Perímetros Irrigados” e a
expansão do agronegócio no campo: quatro décadas de violação de direitos
no semiárido que será lançado hoje, dia 11, às 8h, no Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), em Apodi.
A partir do diálogo com a população das regiões afetadas, foi definido que a pesquisa
se focaria na violação de alguns de seus direitos básicos: à terra, à
participação política, à água, ao meio ambiente, ao trabalho digno e à
saúde. Em relação a esta última, o dossiê traz uma denúncia grave:
devido ao uso abusivo de agrotóxicos, a taxa de mortalidade por câncer
entre as comunidades que vivem no entorno das plantações do agronegócio é
38% maior do que nos locais onde há apenas agricultura familiar.
O dossiê consiste em, aproximadamente, 600 páginas, que revelam os
impactos negativos sofridos pelas comunidades desapropriadas e pelas que
ainda convivem no entorno desses grandes projetos de irrigação nas
regiões do: Jaguaribe-Apodi (CE), Tabuleiro de Russas (CE), Baixo Acaraú
(CE), Baixo Assu (RN) e Santa Cruz do Apodi (RN).
O lançamento oficial do dossiê ocorre, estrategicamente, na cidade de
Apodi, por ser um local onde os agricultores e agricultoras fazem
grande resistência, que vai desde a negação da saída do território a
cartas coletivas, caravanas, atos públicos regionais, nacionais e
internacionais. “Esta é mais uma ação de denúncia e resistência contra
esse projeto de desenvolvimento do agronegócio, que só traz malefícios
com sua produção que esgota os nossos recursos naturais, expulsa o povo
de seus territórios e prejudica a saúde dos trabalhadores que vão lidar
diretamente com o agrotóxico e da população que vai consumir comida
envenenada”, alerta Ivone Brilhante, agricultora do P.A Sítio do Góis
(Apodi).
O lançamento, bem como o documento, tem como objetivo esclarecer a
população dos riscos do Perímetro Irrigado. O agricultor e presidente do
STTR, Edilson Neto, afirma: “É muito interessante que a gente junte
esses conflitos. O problema é de todo mundo, não só de Apodi. Nós
estamos perdendo os territórios. Se a gente não lutar, não vamos ter
mais nenhum camponês”.
O conteúdo do dossiê foi apresentado no III Encontro
Nacional de Agroecologia (ENA), realizado em Juazeiro da Bahia, no mês
de maio, onde reuniu agricultores e diversos segmentos da sociedade de
várias cidades do país. O documento está disponível no endereço:
http://dossieperimetrosirrigados.net/
CONSTRUÇÃO
A proposta de construção do
dossiê nasceu no âmbito do “Movimento 21″ – M21, uma articulação de
movimentos sociais do campo, sindicatos de trabalhadores, pastorais
sociais e pesquisadores, que se constitui a partir da reação ao
assassinato da liderança camponesa Zé Maria do Tomé, ocorrido em 21 de
abril de 2010, no contexto da luta pela terra e contra os agrotóxicos
dos ex-irrigantes e desapropriados para a instalação do Perímetro
Irrigado Jaguaribe-Apodi – PIJA, nos municípios de Quixeré e Limoeiro do
Norte, na região do baixo vale do rio Jaguaribe, no Ceará.
O dossiê foi organizado a partir do grupo de pesquisa do M21 e foram convidados a se somar pesquisadores e pesquisadoras sobre o tema, inseridos nas seguintes instituições de ensino
e pesquisa: Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual
do Ceará (UECE), Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
O PROJETO
O projeto de irrigação da Chapada do Apodi está sendo capitaneado
pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). A
desapropriação das terras na área que compreende a Chapada do Apodi
começou desde 2011 e com ela, centenas de famílias de 30 comunidades
rurais tiveram que deixar suas terras para dar lugar a um projeto que,
na visão dos trabalhadores, vai destruir as comunidades camponesas e
todo o trabalho de agricultura familiar desenvolvido na região.
Atualmente, a região da Chapada do Apodi/RN vem se consolidando como uma das experiências mais exitosas de produção de alimentos
de forma agroecológica e familiar do Nordeste, destacando o arroz,
frutas, criação de caprinos, ovinos e bovinos, projetos de piscicultura,
além do mel de abelha. Ela é a maior produtora de matéria orgânica do
país.
Fonte: Jornal Gazeta do Oeste.